quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A Metamorfose, de Franz Kafka

Aparentemente simples, A Metamorfose, de Franz Kafka, é um daqueles livros que escondem um tesouro. Não é um livro para leitores neófitos, não devido à sua estrutura narrativa, que não apresenta dificuldade nem a alunos de ginásio. O risco real de um leitor apressado ou mal informado é o de terminar o livro e dizer – é só isso? – de concluir que ele é chato ou simples.

O enredo de A Metamorfose é simples: o caixeiro viajante, George Samsa, acorda um dia e percebe que está transfigurado em um inseto gigante. A primeira reação de George é preocupar-se com a família, que depende dele para sustentá-la. A reação da família é de repulsa inicial, mas a mãe e a irmã demonstram compaixão, enquanto o pai mostra apenas irritação com a situação. A transformação do comportamento do pai, de frágil aposentado sempre de pijamas e com dificuldades de andar quando sustentado pelo filho, para um homenzarrão ágil e intolerante na hora enxotar o filho para seu quarto, é também uma metamorfose, assim como o processo de abandono ao qual a família submete o membro transfigurado.
Considerando a biografia de Kafka, podemos encontrar neste livro uma forte referência a seu pai, com quem ele tinha um péssimo relacionamento. No livro ilustrado de Crumb sobre a vida de Kafka, Kafka de Crumb, encontra-se um trecho em que o autor quando jovem diz ao pai "Eu só poderia viver naquelas áreas não cobertas por você ou fora de seu alcance. Mas, considerando minha idéia de sua magnitude, não restam muitos lugares." É exatamente esse contexto que George vive no livro, ele só pode viver em um contexto longe dos olhos do pai, ou seja, apenas seu próprio quarto.

Ainda se considerarmos que Kafka era judeu, que viveu entre as culturas alemã e tcheca durante a 1ª Guerra Mundial e durante o período de transição para segunda, podemos elevar a obra a uma análise da sociedade da época e de como ela sub-humanizava os membros excluídos. Embora Kafka não tenha testemunhado a experiência do holocausto, seus relatos de desumanização assemelham-se em muito ao passado pelos judeus.

Assim, A Metamorfose deve ser incorporada a seu âmbito histórico e pessoal para tornar-se uma grande obra, além do que se lê.

Um comentário:

mariana farias disse...

Sim, de fato A metamorfose apresente bem mais do que apenas uma novela de enredo simples. Tem-se que parar para refletir após a leitura!