quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago

Ensaio sobre a cegueira é uma grande metáfora da realidade. Em um primeiro momento, o autor explicita, com um foco maior, nosso descaso com os problemas alheios. Porém, quando todos já estão cegos, o que parece pura ficção é, na verdade, uma exponenciação das falhas de nossa sociedade.
Acredito que minha primeira reação ao livro de Saramago foi sentir-me culpado. É inevitável não comparar-se à mulher do médico, que, mesmo enxergando, não pode fazer nada, ou hesita em fazer. Vivemos em uma sociedade em que é muito fácil criticar, todos enxergam problemas, indignam-se com muitas coisas, mas nãoagem. Isso nos coloca em uma situação (pelo menos moralmente) pior que aquela em que a mulher do médico encontra-se; ela enxerga, mas, por ser a única, não pode resolver sozinha todos os problemas; por nossa vez, vemos, mas não agimos, reconhecemos problemas sociais, afetivos, profissionais e muitas vezes esperamos alguém – alguma autoridade ou ação divina – resolvê-los.
De todas as metáforas que vi no livro, o manicômio foi a que mais me fez refletir. Um lugar onde as pessoas são simplesmente abandonadas, o governo manda suprimentos, mas ignora o que ocorre lá dentro e, por mais que os internos peçam ajuda e expliquem suas necessidade, ninguém se atreve a entrar lá. Não direi que tal lugar assemelha-se a um presídio – o que seria a comparação mais óbvia – mas sim a favelas e países pobres. Em muitas favelas do Brasil a condição de vida é tão insalubre quanto no manicômio, dentro deles existem poderes paralelos que fazem às vezes de governo; e em todo ano eleitoral as promessas de campanha soam tão irreais quanto a voz no alto-falante do manicômio.
Essa “realidade” que Saramago nos empurra goela abaixo traz uma sensação de impotência, sugere que caminhamos para um futuro nada promissor (assim como sugeriam Nietzsche, Walter Benjamin, Ray Bradbury, Aldous Huxley etc). No fim do livro, o autor ainda lança uma pequena esperança, mas mostra como seria difícil reconstruir o mundo (o do livro e o nosso) caso passássemos a enxergar.

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